sexta-feira, 2 de setembro de 2011

. Narrativas do Medo (1960 -1964)


NARRATIVAS DO MEDO: HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DAS AMEAÇAS


COMUNISTAS EM PERNAMBUCO (1960 – 1964).


Erinaldo Vicente Cavalcanti


Universidade Federal de Pernambuco – UFPE





Sobre Amaro Costa e a tremenda surra que levou



                                                                                                                                                                                              Este artigo se propõe a ampliar as discussões     cerca das ameaças comunistas no Brasil e 
em Pernambuco, em específico,          compreendendo  como se    fabricou um sentimento de 
medo que    conduziu um conjunto de ações,     de atitudes,   de      reações e práticas sociais
durante os anos iniciais da década de 1960. Para    tanto, será    necessário  entender o que
foi e como se produziu esse medo – ou esses    medos – e,   principalmente, que funções ele
desempenhou nas relações sociais no     tempo e espaço aqui       pesquisados.   Por meio de
relatos de memória de um     militante comunista que   foi       perseguido, torturado e preso,
analisaremos como o medo      sobre o comunismo foi praticado e    usado   no    tempo e no
espaço em tela. O nome dele: Amaro Costa. 



Relatando memória e tecendo o medo

A análise da trajetória   social   de  Amaro   Costa nos   ajuda   entender    certos    mecanismos e significados que o medo do comunismo   adquiriu   em Pernambuco,  no período  em tela.    Amaro Costa tornou-se  uma   das lideranças comunistas mais  conhecidas em Garanhuns.     Nasceu  no estado de Alagoas. De uma infância sofrida,  aprendeu a ler sem nunca ter freqüentado a   escola,        tornou-se alfaiate respeitado em  Garanhuns chegando a se   eleger   vereador da   cidade     pela legenda    do    PTB, pois o   PCB,     na   época,   estava   na    ilegalidade. Essa  estratégia  levou diversos comunistas à vitória nas    eleições    do    final da   década de 1950 e início de 1960 como enfatiza a historiadora Dulce Pandolfi (PANDOLFI, 1995). Amaro    esteve envolvido em diversas lutas sociais durante as décadas de 1950 e 1960. Uma delas ocorreu na cidade de Brejão – que faz fronteira com Garanhuns, de quem era distrito na época – quando um   agricultor foi   expulso    da fazenda onde trabalhava por ter se filiado ao Sindicato dos    Trabalhadores   Rurais    de   Brejão. Amaro
decidiu falar com o fazendeiro na tentativa de resolver o impasse.   No entanto,    foi severamente espancado, inclusive pelo prefeito, pelos policiais e amigos do     fazendeiro, ao chegar em Brejão. Durante a pancadaria, tentou fugir, temendo por sua vida.  


Deixemos que ele nos relate.


Eu tentei fugir por dentro dos cafezais, perto do cemitério, mas aí eles  pularam em cima.   Foi um tiroteio danado. Eu sentir... parecia um tiro, eu sentir assim aquele peso e perdi os sentidos .    Cai           enganchado     num pé de café.  Quando   eu abrir o olho,  tinha um com um rifle apontando     para mim, dizendo “levanta comunista safado” e o outro    com um  revólver.  (COSTA, 2005, p. 28).   O    comunismo, para  muitos,     representava      uma    ameaça para   a   sociedade.    Foi  criado   um sentimento de medo que pulsava   fervorosamente nas  veias de  muitas pessoas que se falava em comunismo. Medo esse que  conduziu atitudes  e   ações   como     aquelas  narradas  por    Amaro Costa. 
Mas afinal, como se constituiu esse medo? Ou antes, o que é o medo? Como se elabora? Como é representado e apropriado nas relações sociais? Quais seus mecanismos    de ação?   Que papéis desempenha nas experiências  sociais?   Como se apresenta numa sociedade? E   principalmente, sendo o medo, um sentimento subjetivo, que indícios   deixa ele, nos documentos   para  que   seja pesquisado? Afinal, como pesquisar o medo? Acredito que não basta ir ao arquivo e  verificar  ou perceber a existência do   medo acerca   do   comunismo   em virtude   da grande    quantidade de matérias     publicadas   estampando que o   comunismo era   uma grande ameaça destruidora. Da mesma maneira, não é suficiente ir aos  arquivos e   diagnosticar   a    existência do medo sobre o comunismo. Se faz necessário, ir além da diagnose, e entender, antes de tudo, como o   medo    foi criado em Pernambuco e, principalmente, quais                 as  funções que ele  desempenhou.        Em outras palavras, quais as especificidades desse sentimento – o medo – no período e  espaço pesquisados. Ou seja, que valores e significados foram agregados em torno do medo nos anos inicias da década de 1960. É crucial     compreender   que tipo    de   medo se   sentiu, se    vivenciou, se praticou em Pernambuco     nesse   momento.   É   imprescindível     compreender as funções     do   medo    nas particularidades dessa sociedade que    gestou   esse   sentimento. Para tanto se   faz    necessário ampliar o diálogo da historiografia com outras áreas  do   saber.  É   indispensável   a    construção   de certos deslocamentos     analíticos e operar   determinados procedimentos   metodológicos.  No mesmo grau   de  importância  encontra-se á   necessidade de     perceber nos   documentos certos        indícios; aqueles rastros quase  imperceptíveis  a olho nu.   Em outras palavras, tem que perceber nos documentos    vestígios de   um sentimento subjetivo;   o seja, o  medo. No  entanto  só    será possível quando   entendermos as    múltiplas   funções que    o medo                    desempenhou  no    tempo e  
espaços pesquisados. Ou antes, entender os tipos de medos construídos em Pernambuco no início da década de 1960.  Mesmo pesquisando o  medo em outro  tempo/espaço, os trabalhos   de  Jean Delumeau, nos ajudam a compreender certos mecanismos  de constituição do medo. Dependendo da perspectiva de análise, o medo pode ganhar inúmeros sentidos, significados e,   portanto, deve ser pesquisado levando em consideração as   especificidades    do tipo de medo, ou medos, que se deseja analisar.   Aquele historiador,   que   pesquisa   o   medo  na   França  durante o período da Revolução Francesa, num artigo publicado recentemente, ele chama atenção para um aspecto  do medo que às vezes é negligenciado nas pesquisas sociais, que é dimensão clínica e fisiológica   do medo. O medo por  esta perspectiva de  análise  é,  segundo  Delumeau,   “uma   emoção-choque, frequentemente, precedida de surpresa,  provocada  pela  consciência de  um perigo   iminente ou presente” (DELUMEAU, 2007, p. 39). Por este prisma, o medo é  um importante   mecanismo  de defesa até mesmo para a sobrevivência da espécie. Assim, dependendo da perspectiva de análise, o medo adquire   diferentes   significados.   Para alguns    psiquiatras   e  psicólogos,   o   medo   é fundamental na medida em que atua como instrumento de defesa, pois ele aciona os  mecanismos de proteção e ação diante de algo perigoso para a vida.  No entanto,    esta não é a    dimensão do medo sobre a qual a presente pesquisa pretende analisar.  O medo, sobre o qual estamos falando, é aquele que foi usado como mecanismo de controle e instrumento político, bem como o uso     que dele alguns setores da sociedade fizeram. Em outras palavras, como o medo         do comunismo    foi gestado e praticado em Pernambuco no início da década de 1960, como foi representado, e usado este medo? Em diversas vezes, o medo foi usado como instrumento    para garantir   que a ordem social vigente fosse assegurada. A intolerância reinante por parte dos diferentes poderes públicos e privados, que ao menor ato de discordância ou da agitação contrárias,   reagiam    violentamente sobre os cidadãos, criando no   tecido   social  uma   discórdia    endêmica,   que refletia e também provocava medo. E o medo é assim entendido como fator social    porque afeta,   envolve e meche com quem exerce a violência, assim como, com quem é vítima da mesma. A   historiadora Marieta de Moraes analisando o período que antecedeu ao golpe militar enfatiza que “a chamada ameaça comunista merece uma análise mais aprofundada da   historiografia   ” (FERREIRA, 2006, p. 25). Para tanto, ela defende que é fundamental compreender a função que o med  o desempenha numa sociedade enquanto agente aglutinador que forma, organiza, incita e mobiliza   ações políticas, que a primeira   vista   pode   parecer      inexplicável.   Seguindo  esta fenda    analítica  , o historiador   Antonio Torres Montenegro, endossa as discussões elencadas por   Marieta   de   Morais quando ressalta que a perspectiva de  análise daquela historiadora “aponta para a necessidade de estudo de uma dimensão histórica muitas vezes difícil de ser pesquisada,    pois   não    se    apresenta de maneira muito explícita na documentação” (MONTENEGRO, 2008, p. 06). Em  artigo  publicado Antonio Montenegro põe em relevo a importância de  estudar o    medo    enquanto    experiência histórica. Para ele “o medo é um fenômeno muito sério. Às vezes, um sujeito bom vira cruel   pelo medo. Às vezes, um sujeito apático fica dinâmico pelo medo. O medo   é   uma   das   coisas  mais terríveis da humanidade” (IBIDEM, 2008, p. 17). Certamente, o medo  no   período e no   espaço aqui pesquisados, foi utilizado para diversos fins. Serviu para perseguir,   controlar,     espancar e torturar. Foi também um poderoso instrumento de controle social e serviu como mecanismo  para garantir a vigência da ordem estabelecida. Nesta perspectiva, o medo é sim, conforme   enfatizou Montenegro, uma “coisa” terrível. Percebido nessa perspectiva,    os dos praticados numa   dada cultura, se institui como uma arma. Para sustentar essa asserção, Delumeau   ressalta   que   um grupo ou um poder ameaçado, ou que se crê ameaçado e,    portanto, se     sente medo,        tem a tendência de ver inimigos por todos os lados: fora e, cada vez mais, dentro do espaço que ele quer controlar. É nesta perspectiva que o historiador Antonio Montenegro coloca o medo com uma das “coisas” mais terríveis da humanidade. Sendo o medo um elemento que ajuda  a    sedimentar   as relações sócias, ele cria, também, relações de pertencimentos  na medida     em    que    institui um inimigo comum; um mal onde todos os membros do grupo, da comunidade, da religião,      da pátria devem combater. Assim, lutar contra o mesmo mal é fazer parte de uma sociedade que almeja os mesmos ideais; que deseja a mesma coisa ou   tem projetos    semelhantes.       O medo,      nesta perspectiva, torna-se um elemento catalisador. Ele agrega pessoas, cria valores em torno de um mesmo ideal. As pessoas passam a se unirem através do medo. A filósofa Maria Isabel Limongi destaca que “não somente os homens se associam por medo, como, uma vez associados, é o medo que dá sustentação às relações contratuais em que se constituem os vínculos civis...” (LIMONGI, 2007: 135). Assim, por medo, as pessoas são levadas a   instituir alguns    vínculos que    ajudam a construir uma comunidade. E, é por meio do medo que as relações    contratuais   que    formam  o tecido social são capazes de unir os homens uns aos outros no interior de uma dada  sociedade. O medo parece ser assim, um  ingrediente   que    concorre na   construção da vida social.    E m sua constituição, o medo produz um conjunto de práticas    discursivas    e não   discursivas que lhe dá sustentabilidade e visibilidade. É, portanto, por meio da análise dessas práticas que será possível compreender a multiplicidade de signos e significados que o medo acerca da ameaça     comunista adquiriu em Pernambuco. Será possível também,    como em   diversos    setores da       sociedade instituíram esse sentimento de perigo no estado e,   por   conseguinte,    que uso   foi  feito   desse poderoso sentimento, que foi o medo do comunismo. Como enfatizou Antonio Montenegro, O foco da abordagem histórica e metodológica do medo se mostra    fundamentalmente   na   análise  dos discursos e práticas que são   produzidos   por   diversos    setores    da    sociedade    instituindo a representação de que a sociedade  se   encontra   em    perigo e    desgovernada. Ou seja, como a imprensa [ou parte desta], diferentes instituições da sociedade civil, setores   da igreja     católica, entre outras   instituições,   operam   esta   produção   (MONTENEGRO, 2008, p. 18).   É preciso entender que o medo é um produto social. Ou seja, foi criado; é uma    produção    histórico-social, com características específicas que foram elaboradas atendendo as necessidades das relações de forças onde foi fabricado. Sendo o medo uma      criação   ele   foi   instituído   para   desempenhar determinadas funções. E como tal, pôde ser mantido, alterado, dispensado, ou   abolido.  O  medo, como o fogo e a roda, foi inventado, criado, produzido.   Como  já  foi  demonstrado , o medo como objeto de estudo    para a   historiografia,   começa a   despertar.    Para a sociologia, o medo é um expressivo   objeto   de estudo.   É neste  movimento    que    se insere         mm               o  medo    do   social,   do   sociólogo Fernando Nogueira. Neste trabalho, ele analisa  as várias    facetas que o   medo    pode adquire numa dada sociedade. Sendo o medo um produto social, este só   poderá    ser      entendido quando analisado nas malhas sociais nas quais é tecido. O  medo   ganha,   assim,   inteligibilidade quando é percebido na trama social na qual é,   simultaneamente,    produto e   produtor. O   medo também funcionou como um sofisticado instrumento de controle, produzindo, por  sua   vez, efeitos de insegurança. O medo atuava como um agente corrosivo destruindo as referências legitimadoras da paz, da tranqüilidade e da segurança, criando, por conseguinte, o sentimento de perturbação   e incerteza.    Nessa  dimensão,   aqueles   que   se   apropriam  desse   mecanismo   terão   maiores possibilidades de controlar a ação de quem pelo medo é coagido. Por  esta  razão a atuação destes agentes promotores de um sentimento de insegurança, é fundamental na produção e disseminação do medo, e, por conseguinte, do controle   social.   Fernando Nogueira   destaca que   o  medo,   de diferentes maneiras, assume nas nossas vidas uma das forças   mobilizadoras   ou     paralizadoras mais importantes do leque de emoções.  O medo e suas múltiplas representações parece estar  na raiz de várias relações sociais. Temos medo do que para nós é desconhecido, ou não  dominamos; bem como do novo ou daquilo que se apresenta como o diferente, como o outro,   o indesejável. O medo      exerceu      um intenso    poder   sob   as    pessoas   por ele   atingidas.  A fragilidade e a vulnerabilidade que o medo consegue obter a partir do mais intimo do ser humano  torna-se muito mais eficiente do que a violência física de quem pretende à força impor os seus  pontos de  vistas, interesses e projetos. Nesta perspectiva, as análises de Pierre Bourdieu nos ajudam a entender o mecanismo de funcionamento do exercício do poder simbólico. Este poder, para Bourdieu   é “um poder quase mágico, que permite obter o equivalente daquilo que é obtido      pela força (física ou econômica), só se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrário” (BOURDIEU, 2006: 14). O medo é nesta perspectiva “algo que condiciona a ação dos indivíduos, inibindo-a, por isso, e evitando que se gere, por conseqüência, mudanças nos processos s    ociais”(NOGUEIRA, 2007: 73), ou que as mudanças sejam conduzidas para garantir os privilégios     de uma parcela da sociedade.Estas práticas vão gerando o que poderia ser denominada de     cultura  do   medo.  Na medida em que “o desenvolvimento de uma  cultura  que  abusivamente      apropria   dos medos e torna-se ela própria uma cultura do medo, cuja visibilidade radica nas mais   diversificadas fontes de poder, e padrões de expressividade nas mais variadas áreas  da vida social”      (NOGUEIRA, 2007: 127). O desenvolvimento de uma cultura do medo constrói seus        caminhos    explorando mecanismos que representam catástrofes, devastação, destruição, instabilidade que acionam, por extensão, os instrumentos de insegurança. Fabricando-se o medo: a Secretaria de (In) Segurança Pública de Pernambuco O órgão que tinha – ao menos em teoria – como principal função  garantir a segurança da população foi um dos que mais contribuiu para a criação e proliferação d o    medo em Pernambuco. A Secretaria de Segurança Pública em suas atribuições      se      encarregou   de disseminar pela sociedade pernambucana na época, o sentimento de insegurança,   de perigo,   de ameaça; ou seja, o sentimento de medo. Sendo um órgão que se destinava  à      segurança,   este afirmava veementemente que a sociedade não teria segurança, enquanto as ideias   comunistas e seus defensores não fossem extintos, porque o estado encontrava-se à beira de uma   insurreição, de uma revolução com desfechos catastróficos, caso os   comunistas   não   fossem    vencidos.  A Secretaria de Segurança Pública de  Pernambuco    fez em    Garanhuns   um    mapeamento    dos “indivíduos comunistas” existentes na cidade, conforme relatório do DOPS 1 . Como a Secretaria de Segurança desejava manter sob controle as atividades  desenvolvidas pelos representantes da
Delegacia de Ordem Política e Social. Para as demais citações referentes ao Prontuário Funcional de 
Garanhuns, localizado no DOPS, utilizarei a sigla DOPS/PFG, seguida da página.  necessário. Ou seja: o agir, o falar, as atividades desenvolvidas por eles, as estratégias    de        resistências,  as inúmeras maneiras de atuar em cena sem ser percebido.    Isso os números não mostram.  Mas a quantificação também é importante e revela um significativo número     de   pessoas     filiadas  ao Partido Comunista numa cidade relativamente distante do Recife. Revela,   por  extensão, que as atividades do Partido estavam se disseminando pelo     interior de Pernambuco    e     ganhando   a aderência de um número cada vez maior de pessoas. Levando em consideração  que   o     Partido Comunista estava na ilegalidade durante o recorte temporal pesquisado,  o número    de   pessoas filiadas a este partido em Garanhuns demonstra que suas atividades não diminuíram  quando este perdeu seus direitos políticos em 1947. Mais do que  registrar o nome de    um    comunista    esta atividade funcionou como um satélite que vigiava e   controlava, ou ao menos     tentava controlar, aqueles que a Secretaria julgava uma ameaça à sociedade   A Delegacia   Auxiliar de  Polícia   de Garanhuns fez uma cartografia do comunismo na cidade e criou um banco  de dados   constando o nome de diversas pessoas ligadas ao Partido   Comunista.   A   quantidade  de   detalhes  sobre os comunistas fichados pela Delegacia mostra a preocupação   que eles representavam para  aquele órgão. Ao mesmo tempo, demonstra também a eficácia do aparato     estadual da Secretaria     de Segurança ao fazer um levantamento detalhado de quem   eram os   comunistas, de  onde vinham, como chegavam, porque vinham e com quem se relacionavam ao chegar a  Garanhuns e    qual as atividades que desempenhavam na cidade. Foi o caso – dentre outros – do advogado da prefeitura local, que “foi elemento de destacada atuação em favor do comunismo. Depois de conseguir  essa nomeação,     diz-se    afastado do    partido,    porém   continua    mantendo    constantes  contatos
com os comunistas e esquerdistas  locais,   continuando  a   servir  a   seu   credo   discretamente” (DOPS/PFG, p. 12). Aquelas pessoas eram constantemente vigiadas pelos agentes  da   Secretaria de Segurança e funcionários da Delegacia    Auxiliar de Polícia de Garanhuns.   Diante    de    uma atitude, julgada pela Secretaria de   Segurança,        como uma    ameaça aos    considerados  bons costumes sociais, as autoridades  policiais    saberiam      localizá-los rapidamente.     Este aparato funcionava como um arquivo, onde se guardavam parte da vida de muitas pessoas    cons ideradas perigosas, por    representarem   as   ideias   comunistas;   era um   acervo   onde se    arquivavam informações sobre os comportamentos dos comunistas de Garanhuns. Recorria-se a ele quando se desejava prender algum  comunista.   Para   a   historiadora      Maria Luiza Tucci     Carneiro, “as autoridades   policiais   organizaram  seus   arquivos     segundo    critérios      próprios,   os   quais    devem   ser considerados como uma das mais    expressivas formas  de   controle das    atividades  clandestinas de intelectuais, gráficas, editoras e livreiros no Brasil”     (CARNEIRO, 2002, p. 51). Cada objeto apreendido funcionava como prova    (revistas, livros,    selos, envelopes,    cartas de correspondências, bilhetes, cheques, jornais) denunciando seus donos de atividades   subversivas. Nesta dimensão “as anotações registradas pela polícia à margem dos documentos e os destaques com lápis colorido sublinhando os conteúdos ‘subversivos’ são testemunhos do universo simbólico representativo dos valores endossados   pelas    autoridades    policiais” (IBIDEM, p. 64). Amaro Costa relembra emocionado, que quando foi preso em 1964,     os policiais ao invadirem sua casa, prenderam diversos livros, considerado pelas autoridades policiais,     como literatura subversiva. Entre eles encontravam-se alguns   títulos     do escritor baiano,     Jorge Amado. Segundo Amaro, aquele material serviu como prova do envolvimento dele com as ideias comunistas  . Amaro Costa destaca que durante sua infância “só ouvia todo mundo falar que o  Partido Comunista    era   uma desgraça” (COSTA, 2005, p. 03). Ao revisitar aquelas experiências ele    atribuiu a concepção  de que o PCB era uma desgraça à propaganda desenvolvida no estado de Alagoas,        que  segun do Amaro, o governo daquele estado adotou como estratégia a utilização de   cartazes e   distribuição de folhetos nos quais encontravam-se um homem forte com um chicote na   mão     c   astigando os trabalhadores que estavam amarrados com uma corrente pelos pés e com uma garrafa   de  cacha-ça no bolso. A tentativa do governo de Alagoas em    construir    uma     imagem     negativizada do comunismo brota em suas lembranças tecendo seus relatos de memória. Para ele   aquele governo tentava  sedimentar  a ideia  de  que  no  regime    comunista   o   trabalhador  não  tem   nenhuma liberdade de ação. Eram escravizados,     torturados, bêbados e submetidos   a   uma     extenuante jornada de trabalho sob o julgo de um impiedoso    capataz que    vigiava   todos    os   passos   dos trabalhadores. Em outras palavras, na propaganda anticomunista  relatada na memória de Amaro   Costa,  no regime comunista não havia liberdade nem tampouco democracia. Para a Secretaria   de     Segurança do estado de Pernambuco a crescente ameaça comunista tornava obrigatório o serviço de vigilância e controle que desempenhava. Era importante para a     Secretaria vigiar também as pessoas com quem os comunistas conviviam; saber com   quem os      referidos     comunistas     se relacionavam. Era preciso saber qual era   seu   círculo de convivência;   em qual   rede   estavam inseridos. Afinal quem eram seus amigos? O que faziam eles? Pretendia-se   conhecer as relações sociais nas quais os comunistas da cidade estavam inseridos. Dessa prática     desenvolvida     por aquela delegacia resultou uma relação com      o    nome    dos    amigos   do  Partido Comunista de Garanhuns e como eles contribuíam   com aquela   agremiação     partidária. Descobriu-se que em Garanhuns havia “o círculo de amigos do Partido Comunista em Garanhuns,     que     sustentam o mesmo partido com somas apreciáveis”    (DOPS/PFG, p. 13).  O    circulo de     amigos do Partido Comunista em Garanhuns era composto por vereadores e     ex-vereadores, comerciantes      e ex-comerciantes, deputado e classificador de   algodão,    este último,        contribuindo   com      trinta cruzeiros mensais. Não era desprovido de intenções que estas pessoas apareciam    diferenciadas por suas profissões. Identificar a profissão era uma forma de alertar que a cidade   de               Garanhuns estava permeada por     comunistas, ou    simpatizantes,   de   diferentes   grupos  sociais.     Havia representantes daquele partido no Legislativo Municipal, no comércio e também   no   Legislativo Estadual.   O comunismo  estava, portanto, se alastrando por vários    segmentos sociais.    Amaro Costa,    durante   seu  mandato,   defendeu diversas    vêzes    na    Câmara    de    Vereadores de Garanhuns      moção de     repúdio ao     governo norte-americano,     principalmente,   quando das   invasões     deste ao território    cubano enquanto  elogiava Fidel Castro pela resistência e luta na defesa da soberania da sua pátria. Também  lutou na Tribuna da Câmara para que   João Goulart fosse empossado     quando da    renúncia  de Jânio   Quadros      solicitando     que o   Legislativo Municipal fizesse uma campanha junto às demais      Câmaras     de Pernambuco  em     defesa da legalidade e respeito à Constituição.     Diversas vezes propôs   que aquela casa enviasse votos de congratulações a Leonel Brizola por   sua luta em defesa da  posse de Jango.  Suas    propostas e atitudes ajudaram a tecê-lo como um expressivo agente comunista  na cidade.    Seus projetos, às vezes, serviram de prova para  incriminá-lo por atividade subversiva.     Sua visita à Cuba rendeu diversas críticas de seus  opositores ajudando simultaneamente a sedimentar    sua      imagem de atuante comunista em Garanhuns.Já  fazia    parte  do Partido   Comunista   quando recebeu deste o convite para ir  à Cuba. Esta  foi uma     experiência      marcante      na vida  do  al  a         aa  lfaiate,   como relembrou emocionado. Chegamos em Cuba por volta de   cinco horas   da tarde,  devia  ser  uma sete horas lá. Quem nos   recebeu foi    um representante  do          governo.  Fez  um        discurso    no aeroporto, dali fui para o hotel. Me encantei com  o hotel. Nunca tinha visto um   negócio daquele. Quando pisava, os pés afundavam todinho no tapete.  Aqueles camponeses estavam  com a gente também. (COSTA, 2005, p. 20). Ao  relatar aquela    experiência, Amaro  destaca   a   relação  de proximidade entre o governo Fidel e os trabalhadores. Ficou encantado com a dedicação  que    a população de Cuba tinha por Fidel. Para ele isso era resultado da política que o governo    adotou priorizando a melhoria da população menos favorecida. E apenas os poucos burgueses,  em Cuba, era quem não simpatizavam com Fidel Castro. Ao retornar a Garanhuns discursou na Câmara de Vereadores destacando “o grande avanço que tinha percebido   na     Ilha de    Fidel    Castro e a satisfação da população com o sistema político implantado em Cuba,      onde o analfabetismo e a pobreza tinham reduzido consideravelmente”. Para  Amaro  o   comunismo  era  sem    sombra de dúvida o melhor   projeto político   a ser adotado no Brasil. O ser    comunista é  constituído pelas ações; nas palavras, nos posicionamentos e nas atitudes dos    indivíduos. Em outras palavras, os indivíduos tornam-se comunistas nas relações sociais gestadas nas experiências históricas. É nas práticas cotidianas, como ceder seu espaço de trabalho para reuniões com os    representantes do partido, como fizera o alfaiate José Guedes; colocar faixas com o nome de    candidatos  apoiados pelos comunistas, ou visitar Fidel Castro, como fez Amaro Costa;     demonstrar   apoio  à política cubana, como fez diversas vezes o vereador José  Cardoso; ser  membro de  uma    associação de bairro, ou dono     de uma     alfaiataria     como o alfaiate Siloé    Passos; ter       clientes  em seus esbelecimentos que eram comunistas; trabalhar para patrões ligados ao   partido; instalar em sua hospedaria cidadãos ligados ao comunismo; ter amigos comunistas; não   demonstrar oposição ao partido; fazer parte do Grêmio Literário e defender o abatimento de 50% nas entradas de cinema para os estudantes, ou combater o integralismo, como fez Rildo Souto Maior, militante do Partido Comunista em Garanhuns e depois em Recife, onde passou a residir; participar dos estudos sobre o partido; fazer parte ou ser simpatizante da UJC (União da Juventude Comunista); ser leitor dos jornais Folha do Povo, Voz Operária; fazer   reuniões à noite     em lugares  considerados         suspeitos   pela polícia – como as alfaiatarias, eram atitudes que concorriam para formar o ser comunista em Garanhuns. A filiação ao Partido    Comunista era   motivo    inconteste para   uma    pessoa    ser considerada comunista. No       entanto, é justamente aquelas   que    não    tinham    seus    nomes
agregados ao PCB ou a outro partido de esquerda e constavam  como      comunistas que revelam indícios do ser comunista. Certamente o ser comunista é antes de tudo uma construção temporal e espacial. Em outras palavras, ser um comunista é uma construção que se constitui, se fundamenta, se justifica, ganha especificidade e existência nas relações sociais. É na diferenciação de   um não comunista que se elabora um comunista. É na constituição de um outro, que se forja um comunista. Ser um comunista não   era penas   ser filiado ao Partido Comunista Brasileiro.    No tempo  e   no espaço aqui pesquisados, ter um amigo filiado ao PCB,  era um forte indício que ser    também um comunista. Ter um espaço de trabalho    frequentado   por   comunistas    era  indicativo    de   sua aproximação com as idéias vermelhas. Andar com aqueles que eram considerados comunistas era um poderoso vestígio de ser considerado com tal. Essas práticas eram resultantes de uma política de constante vigilância e controle que concorriam na constituição de uma cultura   do    medo    em Pernambuco. A Secretaria de   Segurança Pública do estado,    juntamente    com   órgãos    civis e instituições religiosas produziram um sentimento de permanente insegurança   e    intranquilidade, fabricando um sentimento permanente de medo e instabilidade.   Este sentimento    foi em     larga medida responsável por incitar certas atitudes em boa parte da p ma vida tranquila deveria     ser vigia permanente contra esse mal comum: o comunismo. E todo bom cidadão deveria     denunciar qualquer suspeita de subversão para a segurança de todos. Dessa forma o medo do comunismo foi cuidadosamente produzido se constituindo numa espécie de corrente aglutinadora   que unia sob a mesma égide diversas pessoas para lutarem pelo mesmo objetivo:    banir o      comunismo e seus representantes, segui-los, vigiá-los e rastreá-los tornaram-se práticas constantes  daquele órgão. Na medida em que fazia um mapeamento dos passos dos comunistas na cidade de   Garanhuns,  o estado pôde elaborar uma cartografia da atuação comunista  naquele espaço,     haja    vista que a Secretaria de Segurança  Pública de    Pernambuco,    mantinha    em      seus arquivos os   nomes, endereços, data de nascimento,   apelidos,   profissão   entre    outras     informações,  acerca  dos suspeitos.  A Secretaria dispunha em seus arquivos da ficha   de     aproximadamente  duzentas  e cinqüenta pessoas, que estavam filiadas ao Partido Comunista, na cidade de Garanhuns,   segundo aquele órgão. Contudo, relatar a quantidade de pessoas que estiveram envolvidas com  o   Partido Comunista em Garanhuns, apenas em números, é deixar de lado  aquilo que   mais  nos  interessa.

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